A Ética da discussão e a questão
da verdade é composta por duas partes essências: a primeira mostra as respostas
concebidas por Habermas num debate público ocorrido em 1º de Fevereiro de 2001,
no anfiteatro Descartes da Universidade, de Paris – Sarbonne (Paris IV). A
organização bem como as questões propostas à Habermas ficaram por conta dos
membros da Faculdade de Sociologia da Universidade de Paris IV: Patrick
Savidan, Alain Renaut, Alain Boyer, Arnaud Desjardin, Alban Bouvier, Pierre
Demeulenaere e Pascal Engrl. E a segunda parte apresenta claramente
conferências realizadas em 31 de Janeiro de 2001 a Convite do Centre Geoges –
Pompidou no quadro das suas Revistas faladas. Nela, Habermas apresenta os temas
de que tratou em seu último livro (verdade e Justificação) numa síntese que
fornece assim uma visão geral da concepção da verdade teórica e prática
apropriada à ética da discussão.
Alain
Renaut
Renaut Questiona sobre as modalidades de uma determinação
pos-metafisica da filosofia como filosofia prática no quadro do kantismo
ampliado. Afirma que Habermas propôs nesse contexto dois modelos distintos:
monológico que atribui a Rawls e dialogico que somente uma ética da discussão
tem condições de sustentar. Pergunta se é possível abolir o paradigma kantiano
da subjectividade mesmo no contexto de uma filosofia da comunicação baseada no
viés linguístico. Indaga a possibilidade desse projecto ético baseado na
responsabilidade sem a autonomia da subjectividade pois para ele, a sua
ausência dificultaria entender como a consciência prática poderia se sentir
responsável por suas acções.
Jürgen Habermas
Em resposta, Habermas afirma que não é fácil
integrar os dois paradigmas numa única estrutura conceitual. E sublinha a
importância da subjectividade enquanto condição necessária para a
responsabilidade pessoal. Sustenta que a transição da reflexão monológica para o
dialógico explica uma característica do procedimento de universalização que
permaneceu implícita até o surgimento de uma nova forma de consciência
histórica, na virada do século XVIII para o XIX.
Para Habermas, esse pluralismo interpretativo, que vai do epistémico á cultural,
até a visão do mundo explica porquê o sentido do princípio de universalização
não se esgota numa reflexão monológica segundo a qual determinadas máximas
seriam aceitáveis como leis universais. Portanto o discurso prático é assim uma
nova forma específica do imperativo categórico.
Habermas segue a linha de Renaut quanto a pergunta se, a participação neste
tipo de diálogo não exigiria algo mais além de seguir regras e engajar-se numa prática
intersubjectiva, e concorda com Renaut quanto a exigência da responsabilidade
sobre dois aspectos: como obrigação á responder às exigências de justificação
de seus compromissos e predilecções e, como autoconsciência e subjectividade
integral. Para Habermas não podemos conceber esses dois aspectos como aspectos
dos quais podemos abstrair elementos dotados de uma relação interna entre si e
que constituíssem reciprocamente um ao outro. Sob o risco de conceber os
indivíduos como pessoas que se individualizam pela socialização e obrigados a
rejeitar a estratégia pela qual conceituamos a subjectividade como uma realização
das relações epistémicas e praticas da pessoa consigo mesma, relações essas que
nascem das relações da pessoa com os outros e encaixam-se no quadro destas. Para
ilustrar essa estratégia, Habermas faz duas observações: A noção de autonomia
de Kant é diferente da noção de liberdade subjectiva que nos vem da tradição
empirista; e a sugunda observação se refere a objecção do Professor Renaut
sobre se, se para chegar a um acordo depois de uma argumentação dialógica não é
necessário uma decisão ou aprovação final do eu.
Alain
Boyer
Boyer faz primeiramente referência a afirmação
de Karl-Otto Apel, que denota que uma vez que Habermas não aceita o fundamento transcendental
da racionalidade compromete-se a um falibismo semelhante ao defendido pelos
Popperianos. Boyer pede assim, a opinião de Habermas conquanto as diferenças
filosóficas entre o debate crítico no sentido popperiano e a concepção daquilo
que está em jogo na ética da discussão. Questiona se a divergência entre
Habermas e os racionalistas críticos reformistas poderia ser considerada uma
briga de família. Por último, pede a opinião de Habermas sobre a opção de
racionalidade proposta por Popper.
Jürgen Habermas
Habermas de antemão deixa claro que o que lhe
opõe a Popper e, o que opõe Apel a Popper não é uma briga de família. Afirma
não existir nenhum falibismo nessa questão e a divergência citada por Boyer
reside na noção da racionalidade. Habermas sustenta defender uma racionalidade
comunicativa, associada a um modelo holístico da justificação e mostra que
Popper prefere uma racionalidade instrumentalista, associada a um modelo
dedutivo da justificação.
Arnaud
Desjardin
Desjardin questiona a relação da obra de
Habermas e Apel, lembrando que ambos defendem o mesmo projecto ético, que presa
a substituição do paradigma da subjectividade pelo da comunicação. Porém
discordam no método a que este devia se realizar. Desjardim cita duais discordância:
quanto a justificação última do princípio de universalização e a aplicação dos
princípios da ética da discussão.
Jürgen Habermas
Habermas reconhece as discordâncias e aceita
que elas ainda existem. Quanto a primeira, cita que o que o diferencia do seu
homologo é o facto de ele possuir uma visão pluralista de diversos discursos
teóricos compatíveis entre si sem reivindicar uma prioridade sobre os demais. Quanto
a aplicação, Habermas mostra o quão Apel está preso ao discurso prático
regular, que contradiz o seu argumento de um discurso de justificação.
Alban
Bouvier
Bouvier questiona as pretensões da teoria
social Habermasiana, se o objectivo é fornecer uma explicação do mundo social e
de uma avaliação critica dessa sociedade ou criar uma metateoria com o intuito
ensinar sobre teorias. E acrescenta a dúvida sobre a aplicação da teoria da
discussão na política, se esta não teria razoes vagamente utópicas.
Jürgen Habermas
Habermas para responder as questões de Bouvier
faz três objecções: (i) a teoria da acção comunicativa é resultado da crítica
de outras teorias sociais portando não é uma metateoria mas uma continuação das
teorias sociais clássicas. (ii) as teorias têm um valor histórico na medida em
que apresentam uma interpretação da dinâmica da modernização social e cultural.
(iii) Quanto a aplicabilidade na política, defende que dependem de pressupostos
que não estão incluídos na teoria.
Patrick
Savadin
Savadin a partir de uma obra de Habermas
constata que Habermas distingue culturas de cultura política geral. E conclui
que a cultura política geral é acultural. Disso deduz a questão segundo a qual
podemos dissociar a cultura política das subculturas? E, questiona a partir das
teorias republicanas, a ideia de uma constelação pós-nacional de Habermas.
Jürgen Habermas
Em resposta as questões de Savadin, Habermas
afirma que uma comunidade não pode se fragmentar na multiplicidade de suas
subculturas, e defende que só sob a condição de que todos os cidadãos possam se
reconher numa única cultura politica geral isso pode assim ser permitido.
Pirre
Demeulenaere
É profundamente claro na sua questão,
procurando compreender a posição da acção comunicativa em relação as trocas
económicas associadas a noção de liberdade.
Jürgen Habermas
Habermas responde a questão de Pierre, ressaltando
três veículos pelas quais se integram as sociedades contemporâneas: o dinheiro,
institucionalizado no mercado; o poder, institucionalizado nas organizações e a
solidariedade, gerada pelas normas, valores e pela comunicação. E ressalta que a
implementação de princípios de justiça distributiva deve ser submetidas a uma avaliação
democrática e não a especulações teóricas sobre a funcionalidade do mercado.
Pascal
Engel.
Engel é directo na sua questão, procura saber
sob o ponto de vista filosófico de Habermas, se ele aceita a filosofia
analítica e as suas doutrinas analíticas. Para tal, Engel questiona quanto ao
estilo dessa filosofia e quanto a substância.
Jürgen Habermas
Habermas responde com a destinação já feita,
de dois sentidos do viés linguístico: um sentido mais forte e um sentido fraco.
Acrescenta que o paradigma linguístico é uma alternativa ao mentalista. Afirma
ser um realista, segundo o viés pragmático nas questões epistémicas e
construtivista nas questões morais.
Comentários
sobre verdade e justificação
1.O viés Pragmático
Habarmas faz uma narrativa da situação da
filosofia alemã no pós-guerra para explicar as motivações que levaram ele e Apel
a adoptar a abordagem pragmática transcendental.
2. A pragmática formal
É um capítulo que Habermas dedica a uma análise
da racionalidade comunicativa e a uma afirmação sintética da sua própria teoria
pragmática do significado.
3. Realismo sem representação
Neste ponto Habermas mostra que o pragmatismo
kantiano explica a existência de uma realidade e o facto de não termos uma interpretação
imediata da realidade. Cita a eficácia do viés pragmático no realismo sem representação.
4. Verdade e Justificação
Habermas deixa claro que assim como a
linguagem e a realidade se interpenetram, a verdade e a justiça são indissociáveis.
A verdade de uma sentença só pode ser justificada com a ajuda de outras
sentenças já tidas como verdadeiras.
5. Construtivismo moral
Habermas sublinha a real construção da sua
ética discursiva. Não é feita por enunciados que nos dizem o que fazer, mas por
uma razão prática sob pressupostos pragmáticos de um discurso prático.
6. Democracia constitucional
Habermas ressalta o papel dos intelectuais na
democracia constitucional. Com efeito afirma Habermas, o intelectual se dirige
a uma esfera pública liberal e depende da ressonância que seu discurso provoca
nessa esfera. E sublinha que há certas questões que o filósofo tem mais preparo
a resolver do que os demais intelectuais. Podem contribuir para o discurso
sobre a modernidade e efectuar uma crítica as patologias sociais. Portanto
encera por afirmar a interdependência entre filosofia e a democracia.
HABERMAS, Jürgen, A Ética da Discussão e a Questão da Verdade.
Martns Fontes, São Paulo, 2001.
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